Ontem lí uma matéria que me deixou intrigado. Nouriel Roubini, um economista que, até então, nunca fora levado a sério, hoje é uma celebridade. Isso porque previu a falência da economia americana, assim como a quebradeira geral e o início a partir da concordata de um grande banco.
Vendo somente esta afirmação, eu também afirmaria que ele é uma celebridade ou um gênio. Porém, a verdade é que de pessimistas o mundo está cheio. Ele já errou diversas previsões, então porque deveria ser levado a sério agora? Não estou tirando totalmente o mérito do mesmo, até porque ele tem uma sólida formação acadêmica e sua previsão não foi simplesmente chutada. O fato é que diversas pessoas sabiam do que estava ocorrendo, mas ninguém queria acreditar. Como um dos poucos céticos, Nouriel virou celebridade.
Agora é convidado para eventos, está ganhando muito dinheiro e dando diversas entrevistas. Será que é realmente motivo pra tanto?
Confiram a matéria da revista Exame abaixo:
"A noite está agradável em Nova York, um calor de verão em plena primavera, e o economista Nouriel Roubini, de 50 anos, decide que pelo menos no momento não fará nenhuma previsão alarmista sobre o estado da economia mundial. Em vez disso, sobe ao palco de uma conhecida casa de eventos onde é o homenageado em um jantar de gala e conta uma de suas piadas preferidas. "Encontrei certa vez, num evento internacional, uma senhora russa que me disse que economistas são como terapeutas sexuais: conhecem mil posições, mas nunca as praticaram. Eu respondi a ela: ‘Minha senhora, eu faço economia aplicada’." A gargalhada é geral entre as 2 000 pessoas que o ouvem. Nessa noite, o homem que ganhou o apelido de "Dr. Apocalipse" graças a suas previsões certeiras sobre a crise mundial não parece nada sombrio. Muito pelo contrário. Sorridente, Roubini tira inúmeras fotos com os participantes do jantar, que pagaram no mínimo 500 dólares pelo ingresso para vê-lo falar.
E responde a qualquer pergunta, mesmo as mais atrevidas, com imbatível bom humor. "O senhor está preocupado com a crise?", pergunta um repórter da New York Magazine. "Por que estaria? A crise tem sido boa para mim", dispara ele. "Qual a proporção ideal entre mulheres e homens em suas festas?", segue o repórter. "Dez mulheres para cada homem é o ideal", responde ele. "Então sua vida amorosa deve estar movimentada", diz o jornalista. "Não, na verdade não tenho um encontro amoroso há dez meses", revela o Dr. Apocalipse.
Na manhã seguinte, de volta ao escritório e já vestindo os indefectíveis terno preto e camisa branca, o economista recém-chegado ao mundo das celebridades globais retoma o discurso sério numa entrevista exclusiva a EXAME. "Quando eu fiz minhas previsões, muitos disseram que eu era catastrofista. Ora, deem um tempo! Eu deveria ser considerado otimista, porque em muitos aspectos a crise foi bem pior do que eu previa", diz ele. "Essas pessoas que continuaram pregando que nada aconteceria deveriam ser presas pelo mal que causaram." O tom um tanto rancoroso de Roubini tem uma explicação. Desde que inaugurou seu site de informações financeiras, o RGE (sigla para Roubini Global Economics) Monitor, no final da década de 90, esse judeu turco, formado em economia na Itália e com Ph.D. em Harvard, buscava - em vão - se tornar uma voz relevante entre os grandes economistas dos Estados Unidos. Apesar de ter conseguido algum reconhecimento na época da crise asiática, era apenas um coadjuvante entre os grandes nomes da economia mundial. E antes de a tormenta eclodir, quando a economia ainda não dava sinais de deterioração, chegou a ser alvo de chacota de seus pares. Em setembro de 2006, foi ridicularizado em público em um debate do FMI pelo economista indiano Anirvan Banerji. Na ocasião, Roubini disse que uma crise sem precedentes estava prestes a desabar, como resultado do colapso do sistema financeiro americano. Virou piada. Poucos meses depois, veio ao Brasil para prospectar clientes e dar algumas entrevistas. Sua ladainha premonitória passou meio despercebida (ele esteve no Banco Central e com os diretores do BNP Paribas e da gestora de recursos Hedging-Griffo). "A viagem foi produtiva, mas dava para ver o ceticismo do pessoal", diz a brasileira Vitoria Saddi, que foi analista do RGE e acompanhou Roubini na ocasião.
Apesar de se policiar para não continuar batendo na tecla do "eu avisei", que adotou logo que a crise estourou, Roubini hoje se sente "vingado", e suas previsões são ouvidas com atenção tanto pelo mercado financeiro como pelo governo dos mais diversos países (recentemente, almoçou com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em Nova York). Sua rotina hoje é comparável à de uma grande estrela do rock, com assédio constante da imprensa, muitas viagens e dinheiro. Em média, costuma dar dez entrevistas por dia. Desde o ano passado, passa 25 dias por mês viajando pelo mundo a convite de empresas, bancos e instituições que pagam pelo menos 75 000 dólares para ouvi-lo falar. Não chega a ser uma fortuna, mas trata-se de um cachê semelhante ao de um figurão como Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro americano, ex-reitor da Universidade Harvard e uma das cabeças econômicas mais importantes do governo Barack Obama. No caso do banco BTG, de André Esteves e Pérsio Arida, que promoveu um evento com ele em São Paulo no início de março, o pacote incluiu ainda um avião particular para buscá-lo em Cartagena, na Colômbia, e o aluguel de um helicóptero para levá-lo ao Aeroporto de Guarulhos a tempo de pegar um voo para Nova York. "Ele adquiriu uma extraordinária notoriedade por ter previsto a crise", diz Arida. O BTG é um dos 1 000 clientes corporativos do RGE Monitor e está entre os que pagam 100 000 dólares por ano para ter direito ao conteúdo completo do site de Roubini e a conversas privadas com ele e seus analistas.
Nada como uma previsão certeira para transformar a carreira de um economista obscuro e empreendedor iniciante. Quando foi fundado, em 1997, o site era feito na Universidade de Nova York (NYU), onde Roubini ainda era professor associado (atualmente, ele é titular). Hoje, o RGE tem 45 funcionários e escritórios em Londres e Hong Kong. A sede da empresa ainda não acompanhou os tempos de estrelato. É composta de oito salas alugadas, sem divisórias e paredes nuas, num prédio no Soho, em Nova York. Mas essa estrutura está prestes a ser trocada por um local mais moderno na mesma vizinhança. Embora os executivos não revelem o faturamento, estima-se que as receitas do RGE, que não chegavam a seis dígitos até 2005, devam alcançar no mínimo 15 milhões de dólares neste ano. Um bom negócio para os poucos investidores que, em 2004, acreditaram no Dr. Apocalipse. Entre eles o ex-presidente do Banco Central e dono do Gávea Investimentos, Armínio Fraga, interlocutor frequente de Roubini. "O site faz o que o Google não consegue com os textos de economia: filtra o conteúdo. E é um ótimo negócio", diz Armínio Fraga, que conheceu Roubini ainda nos anos 90, enquanto morou nos Estados Unidos. Para Fraga, foi a veemência dos alertas de Roubini sobre a crise que atraiu a atenção para ele. "Ele entendeu bem a dinâmica das bolhas. Foi um dos poucos que previram o tamanho do estrago", diz o ex-presidente do Banco Central brasileiro.
Alçado à condição de único analista econômico que viu a crise chegar, Roubini agora se impôs um novo desafio: anunciar quando a economia vai iniciar um ciclo sustentável de recuperação. Embora ele não pareça - ou não queira parecer - muito empenhado em fazer a previsão mais exata sobre o tema, acertar esse momento se tornou a grande obsessão dos executivos de sua empresa. "Todos sabem que o RGE só cresceu graças a ele, e acertar na mosca o momento da retomada pode garantir o futuro", diz uma pessoa a par das discussões na empresa de Roubini. Mesmo repetindo à exaustão que não será um pessimista para sempre (ele agora está tentando emplacar um novo apelido para si próprio, o de "Dr. Realista", no lugar de Dr. Apocalipse), Roubini continua a ser menos otimista que a média. Durante a conversa com EXAME, ele disse que os recentes movimentos de alta nas bolsas de todo o mundo são mais um surto de volatilidade comum a momentos de crise aguda. "A história mostra que há pelo menos seis ou sete surtos de alta em meio a grandes crises. Esse é um deles." Defensor da tese de que o movimento dos indicadores da economia nesta crise será semelhante ao desenho de um "U", Roubini explica, com gestos, olhando por sobre os óculos pendurados na ponta do nariz, que estamos na primeira curva do "U", aquela que leva ao fundo do poço. "A contração da economia começou a ficar mais lenta e menos acentuada. Vejo o fundo do poço por volta de meados do ano que vem. No segundo semestre começa a recuperação. Mas será uma recuperação relativamente fraca", diz Roubini enquanto toma um copo grande de café no balcão de um Starbucks a poucos passos de seu escritório.
Embora considere que o governo do presidente Barack Obama mereça crédito, o economista está entre aqueles que acham que o teste de estresse realizado pelo governo nos bancos americanos, cujos resultados se tornaram públicos dias atrás, não foi sério o suficiente. "Os testes não foram bem-feitos, e logo as pessoas vão perceber que ainda restam problemas nos bancos. Somado aos dados de consumo e aos novos números da economia, isso vai levar a novas quedas nas bolsas", diz. Para Roubini, a chave da recuperação está no aumento do consumo, não só nos Estados Unidos como em todo o mundo. Em sua opinião, os cortes de impostos e subsídios realizados pelo governo Obama ainda não foram suficientes para impulsionar o consumo dos americanos. E ele acha que é justamente pela dificuldade de impulsionar o consumo interno que a China terá dificuldades em voltar ao ritmo de crescimento anterior à crise. Sobre o Brasil, as opiniões de Roubini não vão além do que tem dito a maioria dos economistas locais. "Por ter adotado uma regulação bem mais sofisticada, o país, assim como outras economias latino-americanas, está em melhores condições", diz ele, que aposta numa redução de até 2 pontos na taxa Selic em 2009.
Fazer previsões, por sinal, não é nenhum problema para o Dr. Apocalipse. Ele constrói cenários futuros em profusão e descreve a maneira como chega a seus vaticínios como um "processo holístico", que se alimenta até de conversas com taxistas e funcionários dos aeroportos dos locais que visita. "Eu comparo os dados, converso com as pessoas, ligo os pontos e chego a uma conclusão", diz ele. Por nunca ter sido fã dos modelos econométricos nem dos artigos repletos de equações, Roubini foi por muito tempo discriminado no ambiente acadêmico. Suas previsões equivocadas também não ajudavam muito (veja quadro na pág. 114). A situação começou a mudar depois que um de seus artigos, intitulado Twelve Steps for Financial Disaster ("Doze passos para o desastre financeiro", numa tradução livre), publicado em fevereiro de 2008, foi se mostrando terrivelmente preciso. Ele previa a derrocada das agências governamentais Fannie Mae e Freddie Mac, dizia que pelo menos um grande banco estava prestes a quebrar como consequência do excesso de endividamento e que a crise viria a se alastrar no mundo todo. No mês seguinte, o Bear Stearns faliu. "O Bear Stearns mal havia quebrado e ele disse, num evento da universidade, que foi uma pequena amostra do que estava por vir. A sequência de fatos que descreveu era sinistra. Mas ele estava certo", diz o professor Matthew Richardson, um dos maiores colaboradores de Roubini na Universidade de Nova York. Onde, claro, o Dr. Apocalipse passou de outsider a estrela de primeira grandeza. "Ele tem sido generoso, ajudando a promover a universidade com seu sucesso", diz outro colega, o indiano Viral Acharya, que coordenou, com Richardson, a edição de um livro com artigos de professores da NYU sobre a crise. Roubini assinou o prefácio.
No discurso, Roubini está preocupadíssimo com a fama de playboy que angariou por causa de sua intensa agenda social. Solteirão e galanteador, ele diz que ficou especialmente irritado com a grande publicidade que ganharam os relatos das festas que ele dá em seu loft, em Tribeca, bairro moderninho de Nova York vizinho a Wall Street. E com as inúmeras reproduções, na mídia do mundo todo, das fotos em meio a mulheres bonitas que ele colocou em sua página no site de relacionamentos Facebook. Na ocasião, Roubini chegou a acusar de antissemita um blogueiro que reproduziu suas fotos do Facebook. Há poucas semanas, pediu a outra blogueira que retirasse da rede fotos de pequenas vaginas esculpidas na parede de sua casa por uma artista plástica, alegando invasão de privacidade. Após esses episódios, Roubini vetou o acesso de desconhecidos à sua página no Facebook e mudou o tom das mensagens que coloca em seu Twitter. Numa mensagem de janeiro, perguntava se alguém queria ir com ele ao Buddha Bar de Dubai, onde estava para uma conferência. Os últimos posts já são mais lacônicos - todos remetem a artigos que publicou ou a eventos de que participa. Na prática, o Dr. Apocalipse tem aproveitado a valer seu novo status. Seus amigos de Facebook, por exemplo, ainda podem ver fotos suas com outras celebridades globais, como o escritor Paulo Coelho e o ex-vice-presidente americano Al Gore, nos bastidores da conferência do Fórum Econômico Mundial, em Davos. E permanecem na página as fotos com as beldades que frequentam seu loft. Elas mostram que, para o Dr. Apocalipse, a vida continua uma festa. Pelo menos enquanto a economia estiver em baixa."