quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Bruce Bueno de Mesquita, o "Nostradamus da Ciência Política"



Quem me visita com frequência sabe do meu interesse por modelagens matemáticas. Sendo assim, não poderia deixar de postar uma resenha do livro The Predictioneer’s Game (Em tradução livre "O jogo do prognosticador"). A resenha foi feita por um doutorando em relações internacionais e encontra-se neste link -> Mundorama.

O Mundorama, aliás, é um site - FANTÁSTICO - que tem muita coisa bacana sobre Relações Internacionais. Não entendo quase nada disso, mas aconselho aos estudantes que estejam buscando trabalhos científicos na área. Visitem!

Agora chega de Blá, Blá, Blá e boa leitura.

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Resenha de The Predictioneer’s Game, por Luiz Antônio Gusmão



Acadêmico com bom trânsito na mídia, autor de mais de uma dezena de livros e centenas de artigos, Bruce Bueno de Mesquita (New York University) já foi chamado de “Nostradamus da Ciência Política” por prever com precisão e eficácia o desdobramento de processos políticos complexos com base em modelos formais de teoria dos jogos. Sua última obra, além de uma honesta autobiografia acadêmica sobre a trajetória de um obscuro doutorando em Ciência Política da Universidade de Michigan que acabou montando uma discreta e bem-sucedida empresa de consultoria para serviços de inteligência do governo e grandes corporações, é também um provocante panfleto teórico-metodológico.

O objetivo principal é divulgar (e fomentar a aplicação) do modelo que BdM vem desenvolvendo nas últimas três décadas e tem aplicado na análise de, por exemplo, negociações internacionais sobre quotas de emissão de gases do efeito estufa, o programa nuclear do Irã e a ajuda militar ao Paquistão para fazer frente ao ressurgimento dos Talibãs.

O modelo é simples, mas nada simplório. Basicamente, consiste em alimentar um software com informações obtidas a partir de pesquisas e entrevistas com especialistas sobre (1) os atores envolvidos e potencialmente interessados na decisão a ser tomada (2) a posição que eles assumem em relação à questão, (3) a importância que eles atribuem a sua solução e (4) o poder que os atores têm para influenciar os demais e “atraí-los” para sua posição.

A partir desses dados, o programa elabora uma série de matrizes que definem, em diversas rodadas, as percepções que os atores têm uns dos outros e a probabilidade com que eles irão coordenar esforços, entrar em conflito, pressionar seus rivais ou simplesmente aquiescer. Cada rodada gera uma situação em que as posições, a influência e/ou a importância atribuída vão se ajustando estrategicamente (competitiva ou cooperativamente), configurando a situação que seria conveniente para cada um dos envolvidos. O jogo continua até que uma coalizão estável de atores poderosos se forme próximo à mediana. Quando a distribuição de coalizões se polariza, tem-se uma situação de conflito iminente.

Claramente, a obra se dirige ao público não-especializado. As complexas equações de utilidade e cálculo de custo-benefício são deixadas para as referências bibliográficas. Do instrumental teórico empregado, apenas rudimentos de Escolha Racional são apresentados nos capítulos 2 e 3. BdM se esforça para convencer-nos de que sua metodologia, rigorosamente científica, não apenas permite aos decisores antever os resultados de complexas interações estratégicas como também moldá-las de forma a produzir resultados favoráveis (seja evitar a deflagração de uma guerra ou a detectar, com anos de antecedência, empresas com alto risco de fraudes).

É com surpresa e diversão que o vemos contar como foi contratado para manipular as regras de escolha do diretor de uma empresa de forma a eliminar o candidato preferido pela maioria dos diretores (mas detestado pelo gerente que iria ser substituído), permitindo a eleição de um nome que sequer estava entre os três primeiros (problema que remete ao célebre paradoxo de Condorcet: as preferências coletivas são cíclicas, ou seja, quando agregadas não produzem equilíbrios estáveis, sendo sempre possível fazer uma coalizão alternativa de votos que vença na barganha; daí, quem elabora as regras de votação pode arranjá-las de tal forma que sua opção preferida seja a escolhida e o processo pareça imparcial).

Toda versatilidade do modelo é testada quando aplicado para elaborar interessantes contrafactuais de eventos históricos (a decadência de Esparta, a deflagração da I Guerra, a ascensão de Hitler) e reinterpretar a importância das instituições na modulação de processos de longa duração (para BdM, a formação dos Estados nacionais e a decadência da Igreja Católica foram consequências diretas das regras estabelecidas com a Concordata de Worms, em 1122).

O autor é o primeiro a chamar atenção para os limites do seu modelo: ele não é aplicável a dinâmicas de mercado (onde os atores interagem espontaneamente) e a incorporação da dimensão temporal é problemática (e não é bem explicada no livro). Também deixa claro que, para funcionar adequadamente, depende não apenas de informação bem pesquisada, mas também da elaboração de questões pertinentes e precisas. Ou seja, o talento do pesquisador está na base da pesquisa, elaboração dos dados e interpretação dos resultados. O modelo apenas processa as informações.

O capítulo sobre os grandes fiascos é um exemplo de como aprender com os erros para melhorar e sofisticar a análise. BdM previu que a reforma do sistema de saúde do governo Clinton seria aprovada pelo Congresso, mas seu modelo não contava (nem tinha como prever) com a ocorrência de denúncias de corrupção que acabaram por provocar a saída de um dos atores-chave no processo de tramitação do projeto na Comissão de Meios e Arbitragem. BdM usou essa falha grave para incorporar ao modelo modificações aleatórias nas variáveis-chave (posição, saliência, influência).

No site do livro (http://www.predicitioneersgame.com), o leitor pode testar por si mesmo a última versão do modelo que, além dos choques aleatórios, incorpora as variáveis de flexibilidade (capacidade de se comprometer com um posição mesmo que o resultado preferido não seja obtido ou de mudar de acordo com o vento, apoiando sempre a coalizão vencedora) e de poder de veto (uma dummie que identifica os atores que podem bloquear decisões).

A obra merece ser traduzida e consumida por alunos sequiosos de modelos analíticos com aplicação prática a problemas empíricos. A difusão do trabalho desse acadêmico prolífico e empreendedor pode provocar uma renovação na comunidade brasileira de Relações Internacionais, onde a metodologia quantitativa e as abordagens formais são vistas com desconfiança, desprezo ou sarcasmo.

DE MESQUITA, Bruce Bueno (2009). The Predictioneer’s Game: Using the Logic of Brazen Self-Interest to See and Shape the Future. New York: Random House, 272 pp. ISBN 1400067871

Luiz Antônio Gusmão é doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UnB e analista de relações internacionais da Fundação Alexandre de Gusmão – FUNAG (luizgusmao@gmail.com).

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Esse livro já tá na lista de prioridades pra leitura.

Adoro essas coisas.

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