Sorte ou genialidade? A história de Abramovitch é meio surreal. O cara é um dos homems mais ricos do mundo antes dos 40, é dono do Chelsea, um grande clube inglês e ainda esbanja seu dinheiro com um monte de "brinquedinhos". Eu diria que houve sorte sim, mas, para mim, é inegável que o sujeito tenha um tino e uma capacidade além do normal.
Confiram a história de Abramovitch:
DO NADA AO TUDO
Abramovich começou sofrendo cedo na vida. Nascido a 24 de outubro de 1966, em Saratov, à beirado rio Volga, no sul da Rússia, o menino de origem judia perdeu a mãe aos 2 anos e meio e o pai pouco depois, num acidente de obra em maio de 1969. O pequeno Roman ficou aos cuidados de tios. Primeiro com Leib em Ukhta, 1.350 quilômetros a nordeste de Moscou, aprendeu noções básicas de economia. Com Abraão em Moscou, desfrutou de uma educação exemplar. Como gratidão, depois que ficou rico, equipou a escola onde estudou com as melhores e mais modernas instalações.
Com 18 anos, ele abandonou os estudos no Instituto Industrial de Ukhta para servir no exército por dois anos, como todo russo. Dominic Midgley e Chris Hutchins sustentam, na biografia não -autorizada "Abramovich - the billionaire from nowhere" ("Abramovich - o bilionário de lugar nenhum"), que os rigores do regime militar ajudaram a moldar uma "personalidade mais refinada socialmente, mais independente e auto-confiante".
Aos 20 anos, Abramovich casou em dezembro de 1987 com Olga, uma loura estudante de geologia três anos mais velha do que ele. Nesta mesma época, quando o então líder soviético Mikhail Gorbachev flertava com a chamada perestroika e acabou a proibição sobre a iniciativa privada, Abramovich foi um dos primeiros a montar um negócio próprio, abrindo uma fábrica de bonecas. A receita informal com a revenda em Ukhta de artigos de luxo comprados em Moscou complementava a renda que na época chegava a 4 mil rublos, 20 vezes mais do que o salário de um trabalhador estatal.
Em 1995, Abramovich fez a parceria mais bem-sucedida do capitalismo russo, com um aliado de Boris Yeltsin.
O ano de 1991 foi fundamental na vida da União Soviética e também para Abramovich. O império acabou. E além de casar pela segunda vez, com Irina, uma aeromoça da companhia estatal Aeroflot com quem tem cinco filhos, ele entrou na "família" que passou a circular na esfera de poder do presidente Boris Yelstin. Biógrafos contam que Abramovich também ficou muito amigo, talvez íntimo demais, da filha de Yeltsin,Tatyana.
Num encontro num iate em 1995, nascia a parceria mais bem-sucedida na curta e cruel história do capitalismo russo. Abramovich foi apresentado a Boris Berezovsky. O aliado de Yeltsin, 20 anos mais velho e experiente, ficou impressionado com o talento de se comunicar do jovem russo, que confirmava mais uma vez a fama de estar sempre com as pessoas certas, no lugar certo e na hora certa. Esta habilidade de identificar novas oportunidades fez de Abramovich um dos primeiros a conseguir licença para explorar petróleo num tempo que isso era como uma licença para imprimir dinheiro.
Em 1995, o governo precisava fazer caixa e inventou o programa ações-por-empréstimo. Empresas estatais passavam ao controle acionário de empresários que em troca davam um dinheiro ao governo. Como não iam receber de volta, os chamados oligarcas ficaram com as empresas todas para eles.
Foi seguindo este filão que a dupla Abramovich-Berezovsky assumiu o controle da gigante de petróleo Sibneft, pagando US$225 milhões no esquema “ações por empréstimos” quando o valor de mercado era US$2,8 bilhões. Em 2003, a empresa estava avaliada em US$15 bilhões. Abramovich também investiu em alumínio e comunicações antes de se desfazer da maioria dos seus negócios na Rússia e se mudar para a Inglaterra.
QUESTÃO DE ESTILO
As privatizações na Rússia foram um xadrez de oportunidades e não há dúvida de que Abramovich foi sempre um mestre em adivinhar o próximo movimento. Como diz a biografia: "Ninguém fica bilionário em menos de dez anos sem cortar uns atalhos".
Uma das revelações do livro é de que Abramovich entrevistou todos os candidatos ao gabinete do então primeiro-ministro Vladimir Putin, em 1999. Também liderou a criação do partido da Unidade e foi o principal arrecadador de fundos para a eleição de Putin à presidência em 2000.
Nem todos os oligarcas tiveram o mesmo destino de Abramovich ou Berezovsky, auto-exilado na Inglaterra após ser forçado a vender sua parte na Sibneft por preço abaixo do mercado para o ex-parceiro, com quem acabou brigando. Outro barão do petróleo, Mikail Khodorkovsky, ex-homem mais rico da Rússia, está preso e sendo processado por fraude no império falido da outra gigante russa do petróleo, a Yukos.
Abramovich tem um apartamento em Londres e uma casa de campo, FyningsHall, numa área de 1,8 km2 em Sussex, comprada por US$23 milhões do magnata australiano Kerry Packer. Possui ainda o Chateau de Croe, um castelo de US$54 milhões em Cap d'Antibes, no sul da França. A propriedade já pertenceu ao milionário grego Aristóteles Onassis, ao rei Henrique VIII e sua mulher americana divorciada Wally Simpson e recebeu visitantes ilustres como Winston Churchill. Na dacha que tem em Moscou, as estantes trazem livros falsos que não passam de volumes decorativos, com títulos na capa mas vazios por dentro.
Ele tem aviões, helicópteros, mas é no mar que Abramovich reina absoluto. Um dos seus três iates, o Pelorus, custou US$100 milhões. Vem com equipamento antimíssil, vidros à prova de bala, acomodação para 20 hóspedes, cinema, sauna e piscina.
Empregados e seguranças viajam em embarcações adicionais mais modestas. Com os iates equipados com toda tecnologia, um empresário pode comandar seu império de águas internacionais, como se estivesse em Londres ou Nova York.
Durante a Eurocopa de 2004, a presença do iate de Abramovich era uma das atrações das docas de Lisboa. Curiosos e a mídia chegavam perto, mas o máximo que conseguiam ver era o vai-e-vem de entregas. Até a BBC, que tinha cedido o sinal de sua transmissão para o barco do bilionário russo, não conseguiu uma cena sequer lá de dentro.
Abramovich não fala inglês nem dá entrevista. Quem já conseguiu chegar perto dele nota que prefere discutir negócios relaxado num sofá do que na formalidade das mesas de gabinete. Adota o estilo descontraído, de jeans, camisa sem gravata e paletó solto. Nos estádios, está sempre cercado de guarda-costas mas aceita dar autógrafos sorridente. Tem uma suíte executiva mas são tantos os amigos russos que já ofereceu pagar quase US$6 milhões por um dos camarotes ao lado.
EM BUSCA DA FAMA
Os biógrafos de Abramovich acham que ele resolveu comprar o Chelsea para se divertir. Acontece que, depois dele, o futebol nunca mais será o mesmo. Em julho de 2003, com o clube à beira da falência, Abramovich surgiu das estepes, pagou a dívida do clube de US$154 milhões e comprou o resto das ações por US$115milhões.
Tudo o que o novo patrão tinha a dizer veio neste comunicado:
- Estamos contentes com o acordo para comprar o que já é um dos grandes clubes da Europa. Temos os recursos e a ambição para conseguir ainda mais por causa do grande potencial deste clube.
Ken Bates, que fechou o negócio com o russo e faturou US$32 milhões com a venda de suas ações, foi mais descontraído:
-Qualquer pessoa que enche um barril de petróleo por US$1,70 e vende a US$20 merece meu respeito.
Apenas no primeiro ano, o Chelsea gastou US$200 milhões só em novos jogadores.
-Sem o dinheiro dele, o panorama do mercado há um ano e meio seria bem diferente. Ele foi responsável por 60% das transações-esclarece para A+ Dan Jones, diretor da consultoria especializada em futebol Deloitte&Touche. Ele botou o Chelsea no topo não só na Inglaterra como na Europa, particularmente com a chegada do técnico José Mourinho. As quantias que ele investiu são altas, mas, se você comparar com a fortuna que tem, não chega a ser tanto assim.
Dan adverte que a fórmula de achar um bilionário não é saída nem modelo para ser seguido por clube algum:
- É uma idéia completamente insustentável planejar um clube para alguém como um Abramovich assumir. Você não pode administrar na suposição de que um cara como ele vai surgir e injetar dinheiro. Se alguém for sortudo o suficiente de achar alguém como ele, a opção mais segura é garantir que este benfeitor fique ligado ao clube por muito tempo.
Abramovich certamente ficou tentado pela fama que o futebol traz, pela atração de aparecer na TV, de virar celebridade mesmo que silenciosa, pelo orgulho de estar em um time ganhador. O executivo da Deloitte & Touche justifica:
-Se ele quisesse uma vida tranqüila, não tinha comprado um clube de futebol. Comprar o Chelsea também permitiu diversificar o domicílio de parte de seus bens. Muitas das em presas do Chelsea Village que ele incorporou ao assumir o clube estão espalhadas em países que vão de Chipre às l lhas Samoa e Maurício, além de paraísos fiscais como Ilhas Cook, Virgens e Guernsey.
Como bilionário bem-sucedido, Abramovich está fazendo tudo certinho para transformar o Chelsea numa nova força do futebol mundial. A contratação de Peter Kenyon para diretor executivo garante a experiência do empresário responsável pelo sucesso comercial do Manchester United e pelas parcerias com a Nike e a Vodafone. Na temporada que vem, Kenyon traz para o Chelsea o patrocínio da Nike e da empresa de telefonia francesa Orange.
Para a temporada 2004/05, foram gastos mais US$180 milhões em jogadores. Porém, se o Chelsea ganhar o sonhado Campeonato Inglês, esta conquista teria um sabor mais artificial do que especial?
Mathew Holt, pesquisador do Centro de Governança do Futebol em Birbeck Collegue, na Universidade de Londres, alerta que um possível título do Chelsea nunca poderá ser comparado a clubes que têm uma longa história no futebol mundial, como por exemplo Manchester United e Real Madrid.
Fundado há cem anos, o Chelsea conquistou apenas um Campeonato Inglês, em 1955
-Se o Chelsea alcançar o sucesso, será sem este elemento de romance, porque este sucesso foi bancado pela riqueza de um indivíduo -raciocina o pesquisador.
Conseguir o que seria apenas o segundo título da história do clube no ano do centenário é o objetivo atual de Abramovich. O Chelsea até hoje só venceu o Campeonato Inglês de 1955, exatamente há meio século.
Como governador da região de Chukokta, o bilionário russo construiu escolas, hospitais, shoppings. No melhor estilo populista, pagou férias para as crianças no Mar Negro. Agora, espera ser coroado rei no país que inventou o futebol antes de entregar a coroa do clube para o filho, Arkady, daqui a dez anos.