Vale se preparou para o inverno, afirma Roger Agnelli
"Presidente da Vale diz que a crise do crédito desatou um movimento de desestocagem mundial, que, no entanto, será em breve revertido e não deve impedir o reajuste dos preços para a China"
Por Malu Gaspar
Portal EXAME
O presidente da Vale, Roger Agnelli, afirma que a empresa passou os últimos anos reduzindo despesas e treinando pessoas e, por esse motivo, está prepara para o "inverno" econômico. Agnelli - que voltou recentemente de uma viagem pelo Canadá, África e Europa - diz que se sentiu revigorado ao perceber que as minas da Vale e a própria economia real continuam funcionando bem apesar da crise. O executivo admite que revendedores de minério e as siderúrgicas passam por um momento de desestocagem. Sem ter acesso ao crédito, essas empresas precisam gerar liquidez e vender produtos a qualquer preço. Ele acredita, no entanto, que esse movimento será revertido em breve e que, com paciência, será possível conseguir o reajuste de 12% para o minério de ferro vendido à China. Veja a seguir os principais trechos da entrevista exclusiva concedida por Agnelli a EXAME:
EXAME - O senhor acaba de chegar de um giro mundial por Canadá, África e Europa para sentir o ambiente internacional. Com quem o senhor falou e qual o resultado da viagem?
Roger Agnelli - Quando a gente fica aqui sentado, olhando as coisas acontecerem, você sente a crise de forma mais intensa. Quando você sai para ir aos lugares onde realmente estão acontecendo, você volta com o pensamento completamente diferente. Por exemplo: eu estava aqui há um mês, o mercado com aquele nervosismo, aquela coisa toda, e o mundo vai acabar, etc. O que eu fiz? Fui embora para Carajás. Fui ver as operações e toda a parte de desenvolvimento sustentável, a parte de projetos sociais que a gente está desenvolvendo lá nas áreas de Carajás e quando eu volto, eu volto completamente diferente, revigorado.
EXAME - Só que aí depois você foi para a Europa e para o Canadá.
Agnelli - [risos] Eu sei. O mercado já ia ajustar. Aí que fui ver as operações em Minas Gerais e vi um projeto que a gente vai inaugurar agora no final de ano, que é Itabirita, uma pelotização gigantesca, mais de um bilhão de dólares foram investidos ali. Quando você olha isso, você fala: "gente, o mundo existe". Aí eu voltei. Aí eu fui para o Canadá. Conversei com o pessoal, vi como estavam os clientes, vi como estava o mercado, como é que estavam as perspectivas, os investimentos. Passei em Nova York, fiz uma reunião com a Exxon e a IBM, conversamos um pouco sobre o mercado, recursos naturais.
EXAME - São clientes?
Agnelli - Não, esses são amigos. Conversamos bastante, vendo as perspectivas.
EXAME - E o que eles falaram?
Agnelli - Todas as grandes empresas, principalmente as empresas de recursos naturais, a gente está sempre olhando em longo prazo. O que acontece no curto prazo, você tem de estar pronto para esse tipo de chacoalhada nos mercados. Aí de Nova York eu fui embora para Moçambique, vi o projeto de carvão e os projetos sociais de Moçambique... O ponto todo é que de onde eu estava, eu ligava para ver se ainda a Baía de Guanabara estava aqui, se Ipanema existia. E todo dia eles diziam que Ipanema existia e que a Baía de Guanabara continuava aqui. A questão toda de crise, a questão do que está acontecendo nos mercados hoje é que se você ficar muito fechado, muito interno, você acha que é o fim do mundo. Se você sair e ver que o mundo ainda continua existindo e que isso é uma fase de curto prazo, que a gente vai ter de passar por ela, que é uma ajuste que a gente tem de passar, eu acho que fica tudo mais fácil de você interpretar.
EXAME - Mas no Canadá, na Europa o cenário foi de redução de demanda ou não?
Agnelli - O cenário do mundo inteiro, todos os setores de atividade é um cenário de crise. Ninguém vai passar ao largo disso. Isso é uma realidade que todo o mundo tem de encarar.
EXAME - Qual é o cenário para a Vale?
Agnelli - Na Vale, eu sempre falei que a gente tem de estar preparado para o inverno. O inverno um dia poderia chegar e chegou. O que a Vale fez nesses anos todos? Nos últimos dois anos, nós intensificamos fortemente o treinamento dos empregados. Hoje, nós estamos com um quadro de empregados com nível de treinamento muito, muito apurado. Nós investimos forte na redução de custo em todas as unidades da companhia.
EXAME - Quanto que vocês conseguiram reduzir?
Agnelli - A gente nunca colocou uma meta, mas nos balanços é visível o fato que a empresa tem controlado os custos e a gente conseguiu conviver com margens crescentes mesmo com a valorização do real contra o dólar que se deu até o mês passado [setembro]. Essa questão cambial impacta fortemente os custos da empresa porque a gente tem 70% a 80% dos nossos custos em reais, em dólar canadense ou em dólar australiano - e todas essas moedas têm se valorizado. Nós investimos também fortemente na otimização de todas as operações, ganhamos em escala em praticamente em todas as nossas operações. Mais do que isso: nós negociamos no ano passado com todos os nossos fornecedores contratos estratégicos de fornecimento de equipamentos a preços preferenciais para os próximos cinco anos.
EXAME - E esses contratos foram em dólar?
Agnelli - Esses contratos são de acordo com as nossas necessidades. Tem contratos em reais, tem contratos em dólar, mas todos eles com preço e com prazo de entrega de dois anos. Nós negociamos com banco, grandes bancos mundiais, tipo JBIC [japonês], BNDES, o Exim [banco do Japão para incentivo à importação] linhas de crédito destinadas aos nossos projetos que nós estamos fazendo e que vamos implantar no ano que vem. Então, todos os nossos projetos têm uma linha de crédito já aprovada para execução desses projetos. Nós fizemos uma operação de aumento de capital há três meses. Nós colocamos em caixa 12 bilhões de dólares. Então eu diria que a Vale está muito bem preparada para o inverno que chegou. O que nós temos de fazer agora? Ter paciência. Existe um processo fortíssimo de desestocagemm, está todo o mundo tentando fazer dinheiro, fazer capital de giro porque o crédito sumiu. O crédito sumiu do mundo inteiro.
EXAME - Você está dando crédito aos clientes no momento ou não?
Agnelli - Não, porque todos os nossos contratos, principalmente na China, são com carta de crédito. Nós não temos atrasos.
EXAME - O pessoal não está conseguindo comprar porque não consegue a carta de crédito?
Agnelli - Nossos clientes estão todos tentando fazer dinheiro. No caso específico da Vale, temos o privilégio de ter relacionamento com empresas de empresas de dezenas de países há mais de 50 anos. Em alguns casos, a gente fornece quase que a totalidade do minério.
EXAME - Quer dizer que eles não têm como fugir?
Agnelli - Não. Quero dizer que eles vão cortar primeiro - como já vêm cortando - dos fornecedores novos. Fornecedores que não têm a mesma qualidade que a gente, fornecedores que não têm a mesma tradição que a gente tem.
EXAME - Sobre as negociações com a China, como estão?
Agnelli - O caso da China, eu diria, é o caso mais particular. A China teve no começo do ano um problema de inflação. O governo tomou medidas de ajuste para desacelerar a economia. Nessa conta vieram desastres naturais, como terremoto e enchente. Depois veio Olimpíada. A China neste ano teve idas-e-vindas muito fortes. A China estava crescendo e tinha de preparar tudo, terminar tudo para as Olimpíadas, teve um superaquecimento momentâneo, em que os preços explodiram e, por isso, houve inflação. Os traders [revendedores] entraram no mercado comprando minério pagando créditos altíssimos e estocaram. Não só minério de ferro como níquel, como cobre, como alumínio. E hoje nós estamos numa situação inversa. Eles não têm capital de giro, têm estoques a um preço elevadíssimo e têm de desovar, vender a qualquer preço. Então o que está acontecendo agora é um processo de desestocagem, em que quem não tiver capital de giro, quem não tiver saúde financeira, vai queimar para fazer dinheiro. É o que está acontecendo. Os chineses, então, pararam de comprar, principalmente as pequenas e médias siderúrgicas, que ficaram também com o estoque de aço a custo elevado. Eles têm de fazer dinheiro e pararam de comprar. As grandes siderúrgicas estão ajustando um pouco a produção porque os pequenos e médios estão vendendo a qualquer preço o aço, estão vendendo a qualquer preço as matérias-primas que estão estocadas. Travou a China. Então não é só a Vale. É a Vale, é a Rio Tinto, é a BHP.
EXAME - Mas para vocês, a situação ficou meio difícil.
Agnelli - Não, não. É uma questão de timing.
EXAME - Então o que vai acontecer?
Agnelli - A gente aprendeu com os chineses uma coisa importante chamada paciência. Os chineses têm uma paciência milenar. Para nós, vamos vender sempre na condição de mercado. E a condição de mercado, para nós, é com reajuste de preço de 12%. E mesmo por que o resto das Ásia inteirinha já aceitou o reajuste de 12%.
EXAME - É verdade que vocês mudaram a qualidade do minério que vocês mandavam para o Japão para poder assim dar um estímulo para eles aceitarem o aumento?
Agnelli - Não, não reduzimos, nada disso. A questão do teor é uma questão que como você está trabalhando no máximo, no limite da capacidade e qualidade, a tendência é baixar porque você tem de deixar o minério no estoque, por exemplo, dez, quinze dias para tirar a água dele. Só que a gente estava tirando do trem direto para o navio. Não tinha nem estocagem.
EXAME - No caso dos japoneses, isso chegou a acontecer?
Agnelli - Em alguns casos, sim, chegou com mais umidade do que era previsto chegar.
EXAME - E isso não era um instrumento de negociação?
Agnelli - Não. A Vale é uma empresa séria. Não espere da Vale esses expedientes. Eu tenho a minha consciência tranqüila com referência a todos os meus clientes na China. A siderurgia chineses está onde está hoje pela Vale, porque se não fosse a Vale a siderurgia chinesa não estaria no tamanho que está. Por isso que tenho a minha consciência tranqüila em negociar como tem de ser negociado com base no mercado. Buscar aquilo que é possível buscar, sem comprometer e sem sacrificar o longo prazo. Isso é muito importante. O que a gente propõe para os clientes é pensado, é discutido, é falado. Eu falei isso sobre o preço numa viagem que eu fiz à China em março com todos os meus clientes na Ásia. Eu visitei todos os meus clientes na China, no Japão e Taiwan e naquela época eu disse: vocês estão negociando com australianos, nós estamos acertando o preço com vocês; lembrem-se de que a Vale tem a melhor qualidade de minério e se vocês concordarem em pagar o diferencial do frete, a gente dá o diferencial pela qualidade. Quando chegou junho, eles acertaram com os australianos. Então, nós voltamos à negociação. Os japoneses imediatamente aceitaram, os coreanos imediatamente aceitaram, os tailandeses imediatamente aceitaram, os chineses estavam quase todos aceitando.
EXAME - E o que aconteceu?
Agnelli - Aí começa aquilo que é muito característico na China que é soltar para tudo quanto é jornal, fazer aquele barulho todo de imprensa que tem um problema, etc., para chamar o governo chinês para interferir. E teve uma intervenção simultânea à queda de mercado, com a crise que explodiu lá também.
EXAME - Como o governo interfere?
Agnelli - São todas siderúrgicas estatais. E aí o governo orienta as siderurgias no sentido de não aceitarem.
EXAME - Como o sr. vê esse movimento mundial de siderúrgicas de investir na verticalização, de comprar minas para garantir o abastecimento próprio?
Agnelli - Eu não sei. O tempo melhor dirá. As grandes e melhores minas que nós compramos vieram de siderúrgicas porque elas estavam sem capital e isso foi no começo da década. Hoje já é metal. Então eu diria para você o seguinte: isso é um pêndulo, isso é moda. Quando sobra muito dinheiro, como era o caso há alguns meses, todo o mundo verticaliza. A história é essa: sobrou muito dinheiro, não tem onde pôr, verticaliza. Já se faltou dinheiro...
EXAME - Mas o que vocês fazem nesse momento?
Agnelli - O que a gente faz o seguinte: nossa visão é de longo prazo e a gente segue nosso plano estratégico, a rigor. Não desviamos disso.
EXAME - Isso é uma resposta padrão, mas internamente o que vocês fazem? Você observa, chama o cara para conversar?
Agnelli - Se você olhar o nosso histórico dos últimos sete anos, você vai ver que nós estamos exatamente seguindo a estratégia que a gente falou há sete anos.
EXAME - Está bom, mas nos bastidores você não fica parado?
Agnelli - Claro que não.
EXAME - Você procura seus interlocutores, você manda fazer análise, sei lá. Isso que eu quero saber. Que movimentação...
Agnelli - Cada uma das minas que foram vendidas, cada um dos depósitos que foram comprados a gente tem dado informação a público de cada um deles, aqui no Brasil e fora do Brasil. Então a gente sabe que onde a gente é competitivo e onde que a gente não é competitivo.
EXAME - E onde vocês não são competitivos?
Agnelli - A estratégia, por exemplo, de aumentar o número de clientes investindo no Brasil aconteceu. Nós estamos trazendo para o Brasil quatro novas grandes siderúrgicas. Isso praticamente quase que dobrou a produção de aço no Brasil. Então, se de alguma forma, existe uma tendência de verticalização no setor siderúrgico, eu acho a nossa estratégia em termos de alocar menos capital é mais inteligente e a gente consegue atrair os clientes no Brasil porque a gente vai fornecer minério para essas empresas.
EXAME - Existe uma diferença da sua maneira de gerir a empresa para diversos outros, que é se ocupar dos detalhes. Você acha que isso é um diferencial seu? Você acha que isso faz diferença no dia-a-dia da empresa ou é seu jeito mesmo? Os seus colegas, com os quais você convive, se preocupam com esse tipo de coisa?
Agnelli - E depois tem surpresa que perdem em derivativo? Eu não tenho essa surpresa. Graças a Deus eu tenho aqui vários diretores que são controladores, que olham e participam.
EXAME - Você gosta de escolher pessoas? Você tem pessoas parecidas com você?
Agnelli - Não. Eu tenho uma mescla super interessante na diretoria. Todo o mundo tem a personalidade bem forte, todos com muita experiência.
EXAME - O cara tem de ser brigão para fazer parte do seu time?
Agnelli - Tem de ser.
EXAME - Não pode ser mais ou menos.
Agnelli - Não, tem de ser firme.
Portal EXAME
O presidente da Vale, Roger Agnelli, afirma que a empresa passou os últimos anos reduzindo despesas e treinando pessoas e, por esse motivo, está prepara para o "inverno" econômico. Agnelli - que voltou recentemente de uma viagem pelo Canadá, África e Europa - diz que se sentiu revigorado ao perceber que as minas da Vale e a própria economia real continuam funcionando bem apesar da crise. O executivo admite que revendedores de minério e as siderúrgicas passam por um momento de desestocagem. Sem ter acesso ao crédito, essas empresas precisam gerar liquidez e vender produtos a qualquer preço. Ele acredita, no entanto, que esse movimento será revertido em breve e que, com paciência, será possível conseguir o reajuste de 12% para o minério de ferro vendido à China. Veja a seguir os principais trechos da entrevista exclusiva concedida por Agnelli a EXAME:
EXAME - O senhor acaba de chegar de um giro mundial por Canadá, África e Europa para sentir o ambiente internacional. Com quem o senhor falou e qual o resultado da viagem?
Roger Agnelli - Quando a gente fica aqui sentado, olhando as coisas acontecerem, você sente a crise de forma mais intensa. Quando você sai para ir aos lugares onde realmente estão acontecendo, você volta com o pensamento completamente diferente. Por exemplo: eu estava aqui há um mês, o mercado com aquele nervosismo, aquela coisa toda, e o mundo vai acabar, etc. O que eu fiz? Fui embora para Carajás. Fui ver as operações e toda a parte de desenvolvimento sustentável, a parte de projetos sociais que a gente está desenvolvendo lá nas áreas de Carajás e quando eu volto, eu volto completamente diferente, revigorado.
EXAME - Só que aí depois você foi para a Europa e para o Canadá.
Agnelli - [risos] Eu sei. O mercado já ia ajustar. Aí que fui ver as operações em Minas Gerais e vi um projeto que a gente vai inaugurar agora no final de ano, que é Itabirita, uma pelotização gigantesca, mais de um bilhão de dólares foram investidos ali. Quando você olha isso, você fala: "gente, o mundo existe". Aí eu voltei. Aí eu fui para o Canadá. Conversei com o pessoal, vi como estavam os clientes, vi como estava o mercado, como é que estavam as perspectivas, os investimentos. Passei em Nova York, fiz uma reunião com a Exxon e a IBM, conversamos um pouco sobre o mercado, recursos naturais.
EXAME - São clientes?
Agnelli - Não, esses são amigos. Conversamos bastante, vendo as perspectivas.
EXAME - E o que eles falaram?
Agnelli - Todas as grandes empresas, principalmente as empresas de recursos naturais, a gente está sempre olhando em longo prazo. O que acontece no curto prazo, você tem de estar pronto para esse tipo de chacoalhada nos mercados. Aí de Nova York eu fui embora para Moçambique, vi o projeto de carvão e os projetos sociais de Moçambique... O ponto todo é que de onde eu estava, eu ligava para ver se ainda a Baía de Guanabara estava aqui, se Ipanema existia. E todo dia eles diziam que Ipanema existia e que a Baía de Guanabara continuava aqui. A questão toda de crise, a questão do que está acontecendo nos mercados hoje é que se você ficar muito fechado, muito interno, você acha que é o fim do mundo. Se você sair e ver que o mundo ainda continua existindo e que isso é uma fase de curto prazo, que a gente vai ter de passar por ela, que é uma ajuste que a gente tem de passar, eu acho que fica tudo mais fácil de você interpretar.
EXAME - Mas no Canadá, na Europa o cenário foi de redução de demanda ou não?
Agnelli - O cenário do mundo inteiro, todos os setores de atividade é um cenário de crise. Ninguém vai passar ao largo disso. Isso é uma realidade que todo o mundo tem de encarar.
EXAME - Qual é o cenário para a Vale?
Agnelli - Na Vale, eu sempre falei que a gente tem de estar preparado para o inverno. O inverno um dia poderia chegar e chegou. O que a Vale fez nesses anos todos? Nos últimos dois anos, nós intensificamos fortemente o treinamento dos empregados. Hoje, nós estamos com um quadro de empregados com nível de treinamento muito, muito apurado. Nós investimos forte na redução de custo em todas as unidades da companhia.
EXAME - Quanto que vocês conseguiram reduzir?
Agnelli - A gente nunca colocou uma meta, mas nos balanços é visível o fato que a empresa tem controlado os custos e a gente conseguiu conviver com margens crescentes mesmo com a valorização do real contra o dólar que se deu até o mês passado [setembro]. Essa questão cambial impacta fortemente os custos da empresa porque a gente tem 70% a 80% dos nossos custos em reais, em dólar canadense ou em dólar australiano - e todas essas moedas têm se valorizado. Nós investimos também fortemente na otimização de todas as operações, ganhamos em escala em praticamente em todas as nossas operações. Mais do que isso: nós negociamos no ano passado com todos os nossos fornecedores contratos estratégicos de fornecimento de equipamentos a preços preferenciais para os próximos cinco anos.
EXAME - E esses contratos foram em dólar?
Agnelli - Esses contratos são de acordo com as nossas necessidades. Tem contratos em reais, tem contratos em dólar, mas todos eles com preço e com prazo de entrega de dois anos. Nós negociamos com banco, grandes bancos mundiais, tipo JBIC [japonês], BNDES, o Exim [banco do Japão para incentivo à importação] linhas de crédito destinadas aos nossos projetos que nós estamos fazendo e que vamos implantar no ano que vem. Então, todos os nossos projetos têm uma linha de crédito já aprovada para execução desses projetos. Nós fizemos uma operação de aumento de capital há três meses. Nós colocamos em caixa 12 bilhões de dólares. Então eu diria que a Vale está muito bem preparada para o inverno que chegou. O que nós temos de fazer agora? Ter paciência. Existe um processo fortíssimo de desestocagemm, está todo o mundo tentando fazer dinheiro, fazer capital de giro porque o crédito sumiu. O crédito sumiu do mundo inteiro.
EXAME - Você está dando crédito aos clientes no momento ou não?
Agnelli - Não, porque todos os nossos contratos, principalmente na China, são com carta de crédito. Nós não temos atrasos.
EXAME - O pessoal não está conseguindo comprar porque não consegue a carta de crédito?
Agnelli - Nossos clientes estão todos tentando fazer dinheiro. No caso específico da Vale, temos o privilégio de ter relacionamento com empresas de empresas de dezenas de países há mais de 50 anos. Em alguns casos, a gente fornece quase que a totalidade do minério.
EXAME - Quer dizer que eles não têm como fugir?
Agnelli - Não. Quero dizer que eles vão cortar primeiro - como já vêm cortando - dos fornecedores novos. Fornecedores que não têm a mesma qualidade que a gente, fornecedores que não têm a mesma tradição que a gente tem.
EXAME - Sobre as negociações com a China, como estão?
Agnelli - O caso da China, eu diria, é o caso mais particular. A China teve no começo do ano um problema de inflação. O governo tomou medidas de ajuste para desacelerar a economia. Nessa conta vieram desastres naturais, como terremoto e enchente. Depois veio Olimpíada. A China neste ano teve idas-e-vindas muito fortes. A China estava crescendo e tinha de preparar tudo, terminar tudo para as Olimpíadas, teve um superaquecimento momentâneo, em que os preços explodiram e, por isso, houve inflação. Os traders [revendedores] entraram no mercado comprando minério pagando créditos altíssimos e estocaram. Não só minério de ferro como níquel, como cobre, como alumínio. E hoje nós estamos numa situação inversa. Eles não têm capital de giro, têm estoques a um preço elevadíssimo e têm de desovar, vender a qualquer preço. Então o que está acontecendo agora é um processo de desestocagem, em que quem não tiver capital de giro, quem não tiver saúde financeira, vai queimar para fazer dinheiro. É o que está acontecendo. Os chineses, então, pararam de comprar, principalmente as pequenas e médias siderúrgicas, que ficaram também com o estoque de aço a custo elevado. Eles têm de fazer dinheiro e pararam de comprar. As grandes siderúrgicas estão ajustando um pouco a produção porque os pequenos e médios estão vendendo a qualquer preço o aço, estão vendendo a qualquer preço as matérias-primas que estão estocadas. Travou a China. Então não é só a Vale. É a Vale, é a Rio Tinto, é a BHP.
EXAME - Mas para vocês, a situação ficou meio difícil.
Agnelli - Não, não. É uma questão de timing.
EXAME - Então o que vai acontecer?
Agnelli - A gente aprendeu com os chineses uma coisa importante chamada paciência. Os chineses têm uma paciência milenar. Para nós, vamos vender sempre na condição de mercado. E a condição de mercado, para nós, é com reajuste de preço de 12%. E mesmo por que o resto das Ásia inteirinha já aceitou o reajuste de 12%.
EXAME - É verdade que vocês mudaram a qualidade do minério que vocês mandavam para o Japão para poder assim dar um estímulo para eles aceitarem o aumento?
Agnelli - Não, não reduzimos, nada disso. A questão do teor é uma questão que como você está trabalhando no máximo, no limite da capacidade e qualidade, a tendência é baixar porque você tem de deixar o minério no estoque, por exemplo, dez, quinze dias para tirar a água dele. Só que a gente estava tirando do trem direto para o navio. Não tinha nem estocagem.
EXAME - No caso dos japoneses, isso chegou a acontecer?
Agnelli - Em alguns casos, sim, chegou com mais umidade do que era previsto chegar.
EXAME - E isso não era um instrumento de negociação?
Agnelli - Não. A Vale é uma empresa séria. Não espere da Vale esses expedientes. Eu tenho a minha consciência tranqüila com referência a todos os meus clientes na China. A siderurgia chineses está onde está hoje pela Vale, porque se não fosse a Vale a siderurgia chinesa não estaria no tamanho que está. Por isso que tenho a minha consciência tranqüila em negociar como tem de ser negociado com base no mercado. Buscar aquilo que é possível buscar, sem comprometer e sem sacrificar o longo prazo. Isso é muito importante. O que a gente propõe para os clientes é pensado, é discutido, é falado. Eu falei isso sobre o preço numa viagem que eu fiz à China em março com todos os meus clientes na Ásia. Eu visitei todos os meus clientes na China, no Japão e Taiwan e naquela época eu disse: vocês estão negociando com australianos, nós estamos acertando o preço com vocês; lembrem-se de que a Vale tem a melhor qualidade de minério e se vocês concordarem em pagar o diferencial do frete, a gente dá o diferencial pela qualidade. Quando chegou junho, eles acertaram com os australianos. Então, nós voltamos à negociação. Os japoneses imediatamente aceitaram, os coreanos imediatamente aceitaram, os tailandeses imediatamente aceitaram, os chineses estavam quase todos aceitando.
EXAME - E o que aconteceu?
Agnelli - Aí começa aquilo que é muito característico na China que é soltar para tudo quanto é jornal, fazer aquele barulho todo de imprensa que tem um problema, etc., para chamar o governo chinês para interferir. E teve uma intervenção simultânea à queda de mercado, com a crise que explodiu lá também.
EXAME - Como o governo interfere?
Agnelli - São todas siderúrgicas estatais. E aí o governo orienta as siderurgias no sentido de não aceitarem.
EXAME - Como o sr. vê esse movimento mundial de siderúrgicas de investir na verticalização, de comprar minas para garantir o abastecimento próprio?
Agnelli - Eu não sei. O tempo melhor dirá. As grandes e melhores minas que nós compramos vieram de siderúrgicas porque elas estavam sem capital e isso foi no começo da década. Hoje já é metal. Então eu diria para você o seguinte: isso é um pêndulo, isso é moda. Quando sobra muito dinheiro, como era o caso há alguns meses, todo o mundo verticaliza. A história é essa: sobrou muito dinheiro, não tem onde pôr, verticaliza. Já se faltou dinheiro...
EXAME - Mas o que vocês fazem nesse momento?
Agnelli - O que a gente faz o seguinte: nossa visão é de longo prazo e a gente segue nosso plano estratégico, a rigor. Não desviamos disso.
EXAME - Isso é uma resposta padrão, mas internamente o que vocês fazem? Você observa, chama o cara para conversar?
Agnelli - Se você olhar o nosso histórico dos últimos sete anos, você vai ver que nós estamos exatamente seguindo a estratégia que a gente falou há sete anos.
EXAME - Está bom, mas nos bastidores você não fica parado?
Agnelli - Claro que não.
EXAME - Você procura seus interlocutores, você manda fazer análise, sei lá. Isso que eu quero saber. Que movimentação...
Agnelli - Cada uma das minas que foram vendidas, cada um dos depósitos que foram comprados a gente tem dado informação a público de cada um deles, aqui no Brasil e fora do Brasil. Então a gente sabe que onde a gente é competitivo e onde que a gente não é competitivo.
EXAME - E onde vocês não são competitivos?
Agnelli - A estratégia, por exemplo, de aumentar o número de clientes investindo no Brasil aconteceu. Nós estamos trazendo para o Brasil quatro novas grandes siderúrgicas. Isso praticamente quase que dobrou a produção de aço no Brasil. Então, se de alguma forma, existe uma tendência de verticalização no setor siderúrgico, eu acho a nossa estratégia em termos de alocar menos capital é mais inteligente e a gente consegue atrair os clientes no Brasil porque a gente vai fornecer minério para essas empresas.
EXAME - Existe uma diferença da sua maneira de gerir a empresa para diversos outros, que é se ocupar dos detalhes. Você acha que isso é um diferencial seu? Você acha que isso faz diferença no dia-a-dia da empresa ou é seu jeito mesmo? Os seus colegas, com os quais você convive, se preocupam com esse tipo de coisa?
Agnelli - E depois tem surpresa que perdem em derivativo? Eu não tenho essa surpresa. Graças a Deus eu tenho aqui vários diretores que são controladores, que olham e participam.
EXAME - Você gosta de escolher pessoas? Você tem pessoas parecidas com você?
Agnelli - Não. Eu tenho uma mescla super interessante na diretoria. Todo o mundo tem a personalidade bem forte, todos com muita experiência.
EXAME - O cara tem de ser brigão para fazer parte do seu time?
Agnelli - Tem de ser.
EXAME - Não pode ser mais ou menos.
Agnelli - Não, tem de ser firme.