Estava lendo umas matérias sobre empresas de tecnologia listadas na bolsa e fiquei impressionado com o fato de termos apenas uma das grandes na mesma. O nome da empresa é Tovs. Intrigado com a empresa, e de quem seria o seu dono, resolvi fazer uma pesquisa. Eis que, mais uma vez, estou fascinado com outra história de sucesso. Laércio Cosentino - dono da Tovs - tá aí pra nos mostrar que o Brasil também pode ser grande nesse ramo. Ele é mais uma pessoa digna da minha admiração, por isso tenho o prazer de postar um pouquinho da história dele, garimpada pela Exame PME, neste blog.
"De dentro de um moderno prédio na zona norte de São Paulo, todo recortado para acomodar árvores altíssimas que não foram derrubadas para erguer a construção, o paulistano Laércio Cosentino, de 46 anos, comanda a maior produtora de software do país e a única com ações negociadas em bolsa, a Totvs. Entre uma reunião e outra, ele arruma tempo para cozinhar para seus convidados em um espaço gastronômico que fez questão de construir na sede da empresa. Empreendedor precoce, Cosentino transformou a empresa em que começou a trabalhar como estagiário, nos anos 70, numa holding com valor de mercado superior a 1 bilhão de reais e faturamento de 300 milhões de reais. A companhia é especializada em programas conhecidos como ERPs, que unem num pacote todas as informações de uma organização, da contabilidade ao controle de estoques. Em uma conversa com EXAME PME, Cosentino conta como conseguiu vencer os muitos desafios que atravancam o crescimento das pequenas empresas.
Sinto orgulho de ter construído minha carreira dentro de uma única empresa, que foi se reinventando com o tempo. Logo que entrei na faculdade de engenharia da USP, em 1978, comecei como estagiário na Siga, um birô de serviços de processamento de dados que pertencia a Ernesto Haberkorn, que hoje é meu sócio. Lá, ganhei liberdade para expressar minha opinião e acabei tendo uma ascensão rápida. Aos 22 anos, já havia me tornado diretor. Enquanto tocava meu trabalho, comecei a me interessar pela microinformática, que estava surgindo, na década de 80. Percebi que computadores individuais, que, até então, eram parte da ficção científica, em pouco tempo estariam no cotidiano das pessoas e das empresas.
Em 1983, sugeri a Ernesto que montássemos uma nova empresa para tentar aproveitar esse mercado. Queria converter todo o nosso conhecimento na Siga em equipamentos de grande porte para novas tecnologias. Depois de meses de jornada dupla de trabalho, elaborei um plano de negócios, dei nome à empresa e fundei a Microsiga, para fabricar softwares e vendê-los a pequenas e médias empresas. No início, enfrentamos todo tipo de dificuldade, pois era difícil vender uma tecnologia que ninguém conhecia. Seis anos mais tarde, já havíamos desenvolvido sistemas próprios, conquistado bons clientes e estabelecido parcerias duradouras. Em 1989, a Microsiga incorporou a Siga e iniciou um novo período de sua história.
Percebemos que, para crescer, precisávamos ampliar nossa atuação geográfica. Se não fizéssemos isso logo, alguém faria em nosso lugar. Por isso, em 1989, lançamos algo completamente ousado para a época -- um plano de expansão por meio de franquias. Apesar de ouvir de todos os profissionais do mercado que o sistema de franquia não funcionaria em nosso setor, levamos a idéia adiante. Durante quase uma década, nos dedicamos a expandir a microinformática pelo país. Multiplicamos o nosso faturamento por 10, conquistamos o Brasil e provamos que a estratégia das franquias era adequada naquele momento.
No início, eu colocava a mão na massa, fazia de tudo um pouco -- programava, viajava, atendia. Mas, com o tempo, percebi que, se continuasse desse modo, a empresa não cresceria. Por isso, em 1994, parei de programar softwares. Precisava me focar em fazer a empresa expandir. Um dia cheguei ao escritório e anunciei a todos minha decisão. Foi uma mudança radical e difícil, mas necessária. A partir dali, nunca mais programei. Fiquei totalmente dedicado a fazer a empresa crescer. À medida que um negócio cresce, simplesmente não há como fazer tudo sozinho.
Em 1999, decidi trazer um fundo de investimentos para dentro de casa. Queria que a empresa, que faturava 33 milhões de reais, crescesse mais rápido e ganhasse ainda mais confiança no mercado. A negociação foi difícil e houve até um momento em que pensei em desistir. Conversei com 12 fundos até chegar ao Advent, que era minha última tentativa. O fundo trouxe à Microsiga um sobrenome que significou credibilidade. Após a entrada do Advent, começamos a nos preparar para uma possível abertura de capital. Tínhamos todas as condições favoráveis para a época -- estávamos no auge da internet, as empresas virtuais valiam mais que as reais e o mercado admirava os valores da nossa companhia. Para fazer a abertura, investimos antes numa série de mudanças na empresa, como aumento da transparência das informações financeiras. Dois anos mais tarde, já estávamos prontos. Mas, aí, vieram os atentados de 11 de setembro e desistimos de ir à bolsa. Num momento difícil como aquele, o mercado de capitais provavelmente atravessaria um período de crise e achamos melhor esperar.
Passamos 2003 e 2004 empenhados em aumentar o tamanho da empresa. O final de 2004 foi um dos períodos mais intensos -- e determinantes -- da história da Microsiga. Em apenas alguns meses, tomei três decisões importantíssimas quase ao mesmo tempo. A primeira foi a saída do Advent. O resultado do aporte havia sido positivo e o acordo chegara ao fim. Pedi ao fundo que fizesse seu preço e negociei a recompra. Simultaneamente, conduzi uma operação de aquisição da catarinense Logocenter, a quarta maior do setor e concorrente da Microsiga. Era uma forma de ganhar tamanho. Finalmente, também iniciei uma conversa com o BNDES. Queria o apoio do banco para criar uma empresa nacional de software de grande porte. O BNDES concordou em entrar como sócio do empreendimento. Só consegui fazer tudo isso ao mesmo tempo porque tinha comigo um time competente e de confiança.
Uma nova empresa nasceu. Por isso decidi batizá-la com outro nome -- Totvs (pronuncia-se Totus), que em latim significa "totalidade". Em setembro de 2005, recomeçamos a conversar com possíveis investidores e concluímos que o momento era propício para fazer a abertura. O mercado de capitais estava numa fase otimista e o nosso patamar de faturamento e solidez atraía os investidores. Nossa oferta inicial de ações ocorreu no dia 9 de março de 2006, quando arrecadamos 460 milhões de reais e o valor de mercado da Totvs foi estimado em 1 bilhão de reais. Foi um dia emocionante, pois havíamos nos preparado para aquele momento por seis anos. Porém, mal tivemos tempo para comemorar. Havia muito trabalho pela frente.
Comecei a negociar a compra da empresa mineira de softwares RM, cerca de um mês depois, por 206 milhões de reais. Fundir várias empresas em uma só não é fácil. É necessário juntar culturas muito diferentes. Cada empresa tem um DNA próprio e, numa fusão, é preciso respeitá-los. Hoje, a Totvs tem três marcas convivendo no mercado, concorrendo em alguns momentos, mas, em geral, com públicos distintos, com produtos que têm os mesmos componentes, mas que permitem que cada uma busque seu nicho com canais independentes. Além dessa integração, meu maior desafio hoje é continuar fazendo com que o time de profissionais que está comigo continue a evoluir. Enquanto a Totvs estiver gerando oportunidades, teremos excelentes pessoas trabalhando aqui. O dia em que não tivermos, elas vão embora. "